emily dickinson

Uma palavra morre Pois eu digo
Quando é dita Que ela nasce
— Dir-se-ia Nesse dia.

terça-feira, 6 de março de 2012

parte II, capítulo 28, página 281

De trás do barraco de Bill o rádio de alguém que voltara do trabalho tocava uma música que falava de loucura e destino, e lá estava ela com sua beleza destroçada, as veias saltadas nas mãos estreitas de adulta, a pele arrepiada nos braços brancos, as orelhas sem viço, as axilas descuidadas, lá estava ela (minha Lolita!) irremediavelmente gasta aos dezessete anos, com aquela criança que dentro de seu ventre já sonhava em ser um sujeito importante e se aposentar no ano 2020 – e fiquei olhando para ela, sabendo, tão lucidamente como sei que vou morrer um dia, que eu a amava mais do que tudo o que jamais vi ou imaginei neste mundo, ou que possa esperar em qualquer outro. Ela era apenas um traço fugaz de perfume, o eco de uma folha morta, quando comparada à ninfeta sobre a qual eu rolara outrora gemendo de prazer; um eco à beira de uma ravina acobreada, com uma floresta longínqua sob o céu lívido, folhas marrons sufocando o riacho, um derradeiro grilo nas ervas ressequidas… mas, graças a Deus, não era apenas esse eco que eu venerava. Aquilo que eu costumava acariciar entre as vinhas emaranhadas de meu coração, mon grand pêché radieux, estava reduzido à sua essência: todo o resto, o vício estéril e egoísta, fora abolido, amaldiçoado. Podem zombar de mim, ameaçar evacuar o tribunal, mas até que eu seja amordaçado e semi-asfixiado continuarei a proclamar aos brados minha pobre verdade. Insisto em que o mundo saiba o quanto amei minha Lolita, esta Lolita, pálida e poluída, carregando o filho de outro homem, mas ainda com os olhos cinzentos, os cílios cor de fuligem, os tons de castanho e amêndoa, ainda Carmencita, ainda minha! Changeons de vie, ma Carmen, allons vivre quelque part où nous ne serons jamais séparés. Ohio? Os ermos de Massachusetts? Não importa, mesmo que teus olhos desvaneçam como os de um peixe míope, mesmo que teus mamilos inchem e se rachem, mesmo que se macule e se rasgue teu jovem e adorável delta, tão delicadamente aveludado – mesmo então eu enlouqueceria de ternura à simples vista de teu rosto amado e lúrido, ao simples som da tua jovem voz rouquenha, minha Lolita.